quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista com Caio Gallucci

"Quando a luz está apagada
E ainda faltam placas na estrada
Que sinalizem algum sentido
Entre o que é livre e o que é proibido
Sempre podemos largar o emprego
Trocar de amores e buscar algum sossego

Quando tudo é quase nada
Podemos sonhar e ter ilusões
De dar um beijo clandestino
De língua na boca do destino
E no bloco de espantalhos
Espantar a dor de tanta solidão

Meia volta pra recomeçar
Meia volta para algum lugar
Meia volta sobre o precipício
Meia volta da porta do hospício"

Isso é o que diz a música "Beijo clandestino", de Lucina e Paulinho Mendonça, e parece bastar para contar um pouco sobre a história e as escolhas do fotógrafo Caio Gallucci, cuja maior especialidade é clicar espetáculos teatrais e seus bastidores. "Sempre podemos largar o emprego / Trocar de amores e buscar algum sossego". Coragem, amigos! Os nomes das montagens que originaram as fotos do mural do artista, em autorretrato no canto superior esquerdo da imagem, seguem após a entrevista.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Sem dúvida foi com o cinema. Meu avó era cineasta amador e tinha um cinema em sua casa. Cresci assistindo aos filmes que ele passava. O que eu mais gostava e pedia sempre para ele passar era uma versão de “João e o pé de feijão” chamada “Jack e os feijões mágicos” (1967), com Gene Kelly, que misturava cinema e desenho. Às vezes ele me deixava subir na sala de projeção, ver os projetores, a moviola, e até trocar as películas quando o rolo acabava. Era uma emoção porque ali era quase que um lugar sagrado. Uma coisa meio como no filme “Cinema Paradiso” (1988).

2. Qual a sua formação?

Eu sou advogado formado pela PUC/SP, tornei-me fotografo após 7 anos de advocacia, quando transformei o hobby em profissão. Fiz cursos de fotografia no Brasil no MIS - Museu da Imagem e do Som, e no Fotoclube Bandeirantes. E nos EUA no ICP - International Center of Photography, em Nova York. Atualmente estou fazendo um curso de Direção de Fotografia para Cinema, na AIC - Academia Internacional de Cinema.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

A vontade sempre existiu, mas era como um sonho distante, intangível. Com o passar dos anos, o sonho foi criando forma e a insatisfação no mundo jurídico serviu como impulso para mudar. Coincidentemente ou não, ganhei um premio num concurso de fotografia promovido pela empresa que trabalhava e neste momento eu já estava bem próximo à realidade artística. A partir daí o processo foi mais natural do que eu podia imaginar.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Como eu disse antes, minha carreira começou a partir de um hobby. Sempre gostei de fotografia e de fotografar. Comprei meu equipamento em Nova York, após largar a carreira jurídica e comecei a fazer fotos. No início já comecei fazendo books para atores e eventos sociais, depois passei a fazer stills de jóias e produtos e, então, espetáculos teatrais, dos quais registro tanto as cenas como os bastidores. O universo do teatro é muito rico e quem gosta, gosta muito. Fotografar peças é bastante desafiador, pois você precisa traduzir em apenas um clique o trabalho de praticamente todos os envolvidos na criação. Os atores, diretores, maquiadores, figurinistas, coreógrafos, cenógrafos, iluminadores, enfim, a arte de todos deve estar na foto, através do olhar do fotógrafo. E após isso, atender às expectativas dos produtores de cada espetáculo. Já nos bastidores a liberdade artística é maior e o trabalho pode ser ainda mais autoral.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

São inúmeros e de maneira diversa. Acho que esse tipo de influência é perene. Sou muito fã do Mario Testino, que também foi advogado antes de ser fotógrafo.  Admiro sua trajetória e obra. O trabalho do Steven Klein também é incrível. Não posso deixar de falar da Lenise Pinheiro, Jairo Goldflus e João Caldas, que fazem um trabalho belíssimo no Teatro. Ultimamente tenho recorrido muito aos museus em busca de inspiração. Tive a oportunidade de visitar a Galleria degli Uffizi, em Firenze, e sem dúvida os trabalhos de artistas como Botticelli, Michelangelo e Caravaggio passaram a tem um significado diferente e ainda mais especial para mim. Relacionar a arte à sua época e ver como o trabalho era criado, executado e valorizado nos trás uma dimensão incomensurável do que é a Arte. Sem falar, claro, no estudo da luz e técnicas utilizadas em cada período. É uma redescoberta a cada visita.

6. Quando passou a se considerar profissional?

O primeiro momento que parei para pensar nisso foi em meados de 2010, cerca de um ano após a transição profissional, quando uma foto minha, do musical “A Gaiola das Loucas” e outra do “Hairspray”, foram publicadas na mesma semana, na Veja Rio e na Veja SP, respectivamente. Ver dois trabalhos meus divulgados na mesma data nessas duas cidades me trouxe à consciência que eu era realmente um fotógrafo.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Pensava, inicialmente, que não seria possível sobreviver apenas com a fotografia, principalmente no Brasil, onde a arte não é tão valorizada como nos países de primeiro mundo. Talvez por isso sempre tive a idéia de que ser fotógrafo era apenas um sonho (inviável).

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Hoje sei que há muito campo para a fotografia e que o reconhecimento existe, ainda que tímido. Sou suspeito para dizer, pois me sinto realizado nessa profissão. É através da fotografia que tenho a oportunidade de me expressar artisticamente, seja contando uma história, seja trazendo um momento de pausa e reflexão. A fotografia pode ser um retrato da realidade ou ser completamente abstrata. O fotógrafo que irá decidir o que deve compor aquele frame, o que a luz irá revelar e a sombra esconder. É quase um jogo.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Meu cotidiano é uma loucura. Principalmente porque gosto de fotografar e tratar as minhas fotos. Assim, acumulo um certo trabalho, mas garanto que o material final tenha 100% do meu olhar. Fiz escolhas na fotografia, mas nunca quis diminuir meus horizontes. É uma linguagem universal, que já me proporcionou trabalhos em Nova York e na França. Fotografando Teatro, jóias, Arquitetura, books, Moda e casamentos eu trabalho de segunda a segunda. E quando me trazem algo novo e desafiador, eu crio lugar na agenda e fotografo.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como? 

Sem dúvidas é a maneira mais rápida, prática e barata de divulgar meu trabalho. A abrangência do Facebook e Instagram são assustadoras. O mundo está em constante mudança e evolução, quem não acompanha o ritmo fica para trás. Os prós são bem maiores e concretos que os contras.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Antes de qualquer coisa, trabalhar com o que se gosta é primordial. Não há salario que pague isso. Foi-se o tempo em que se escolhia uma profissão para a vida toda. Mas como qualquer outro profissional, o fotógrafo também busca uma boa remuneração. Não é fácil, até porque todo equipamento fotográfico é bastante caro, então gasta-se muito também, mas é sim perfeitamente possível!

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

É bem difícil dizer, porque atualmente todo mundo fotografa de alguma forma, seja com o celular ou com uma boa câmera e, assim, todos se consideram fotógrafos. É triste mas muitas vezes o Fotógrafo tem que se identificar como “Fotógrafo Profissional”. Quando na verdade a divisão deveria ser entre “Fotógrafos” e “Fotógrafos Amadores”. Eu nunca fui um “Advogado Profissional”, mas apenas “Advogado”. Um colega outro dia publicou a foto de uma capa de revista com a incrível manchete: “Seja Fotógrafo em um dia”, é tão absurdo que dispensa comentários. No fundo, acho verdade que essa massificação da fotografia irá estabelecer uma fenda bem grande, distinguindo os bons profissionais, que levam a profissão e a arte a sério do amadorismo.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Acho que nunca tiveram coragem de me perguntar se eu havia me arrependido de ter trocado o Direito pela Fotografia. A resposta flui, sem titubear: Nem por um dia!

Nome dos espetáculos retratados no mural (em sentido horário):
Imagem 02Espetáculo: Mamma Mia!
Imagem 03 - Espetáculo: Priscilla - Rainha do Deserto
Imagem 04 - Espetáculo: Cabaret (bastidores)
Imagem 05 - Espetáculo: Hairspray
Imagem 06 - Espetáculo: Avenida Q
Imagem 07 - Espetáculo: Cabaret
Imagem 08 - Espetáculo: Alô, Dolly!
Imagem 09 - Espetáculo: Alo, Dolly! (bastidores)
Imagem 10 - Espetáculo: Meu Amigo Charlie Brown
Imagem 11 - Espetáculo: Mônica Mundi
Imagem 12 - Espetáculo: Hair (bastidores)
Imagem 13 - Espetáculo: Zorro
Imagem 14 - Espetáculo: Tim Maia - Vale Tudo
Imagem 15 - Espetáculo: Calígula
Imagem 16 - Espetáculo: A Gaiola das Loucas
Imagem 17 - Espetáculo: Razões para Ser Bonita
Imagem 18 - Espetáculo: Xanadu (bastidores)


Para conhecer mais do trabalho de Caio Gallucci, visite sua página oficial:
E curta a sua página no Facebook para saber o que ele anda fazendo:



Para ficar atualizado das novidades do Cultura Artfício, curta nossa página no Facebook:

Ou siga-nos no Twitter:

sexta-feira, 22 de março de 2013

Entrevista com Carlos Rennó


Dizer que o Napster foi inventado em 1999 e que ele, junto à Internet, foi responsável por uma revolução na forma de se consumir música não parece mais que um dado histórico hoje em dia, mas trata-se de uma mudança fundamental que teve impactos em toda a cadeia produtiva da indústria do entretenimento, assim como nas formas de promoção e exibição dos seus bens. Contudo, apesar das alterações substanciais em todos os desdobramentos desta grande indústria, nenhuma parece ter sido tão inteiramente atravessada por elas como a da música. Por exemplo, muitos mais discos passaram a ser produzidos e distribuídos para serem baixados ou escutados em programas de compartilhamento ou plataformas virtuais, o que promove maior acesso a obras que não teriam espaço nas gravadoras chamadas majors – inclua nisso todos os gêneros que não sejam altamente populares no momento da feitura dos trabalhos em questão, independente de sua qualidade, e todos os artistas que jamais teriam lugar ao sol entre os eleitos por elas a serem transformados em grandes estrelas. Embora o lucro dessas muiltinacionais continue altíssimo, a venda de discos em suporte físico diminuiu grandemente. Mesmo com o crescimento ano a ano dos números de sua aquisição mediante pagamento em suporte virtual, ela sofre a concorrência do compartilhamento não autorizado a custo zero. Apesar da queda nas vendas, tudo leva a crer que o trabalho dos artistas provenientes da grande indústria também passou a ter um alcance ainda maior e mais rápido com estas possibilidades trazidas pelo desenvolvimento tecnológico. Com a ideia da irreprodutibilidade da performance ao vivo, o preço do ingresso para shows aumentou, o que constitui sua renda junto à venda de produtos relacionados ao seu nome/marca, assim como a sua participação em campanhas publicitárias etc., de certa forma compensando a diminuição nos ganhos com seu direito sobre as obras que produz. Contudo, para os profissionais que se dedicam exclusivamente à feitura de canções, especialmente os letristas, que podem não executar outras atividades diretamente relacionadas ao seu ofício, portanto, que têm uma grande parte de sua remuneração constituída pelos ganhos em direito autoral, as mudanças em pauta colocam dúvida sobre o futuro de seu trabalho. No Brasil, também contribui a isso o repasse ineficiente da verba recolhida pela execução de músicas pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), investigado em 2011 por suspeita de fraudes nos pagamentos dos direitos dos autores, e condenado esta semana por formação de cartel e abuso da posição dominante, junto a seis entidades brasileiras que deveriam defender estes direitos. A entrevista com o letrista Carlos Rennó não poderia ser publicada em momento mais pertinente para a reflexão sobre a sua profissão e a exequibilidade de elegê-la como tal diante da atual situação em que as indústrias da música e do disco se encontram. Para celebrar a obra deste grande poeta da música brasileira, em parceria com os artistas visuais Marcela Gil e Bruno Rubet, o Cultura Artfício tem a honra de apresentar em seu mural uma série de cinco lambe lambes com trechos de letras feitas pelo compositor, que foram criados especialmente para a ocasião. Vamos espalhar poesia vida afora! Eis aqui Carlos Rennó. As transcrições dos trechos das músicas escritas pelo artista que foram utilizados nos lambe lambes seguem ao fim da entrevista, junto aos seus créditos. O retrato de Carlos Rennó foi feito por Oleno Netto.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Nos primeiros anos de vida, ouvindo a minha mãe cantar. Ela cantava artistas como Nelson Gonçalves e Dalva de Oliveira, cantores dos anos 40 e 50 no Brasil. A produção deles não me influenciou conscientemente, mas a de cantores contemporâneos a eles e até anteriores, surgidos nos anos 30, viria a me influenciar.

2. Qual a sua formação?

A minha educação formal é marcada por um curso superior de jornalismo, mas o principal conhecimento que eu tenho é autodidata. Ele é constituído basicamente por leitura de livros e audição de música, assim como dos shows que eu vi... A potencialidade artística independe da formação acadêmica.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Sim. Alguns artistas foram muito importantes para eu decidir fazer letra de música, que é o que eu faço. Para eu me decidir a ser compositor. Primeiramente uma cantora, pois tinha que ter uma voz para que isso acontecesse, que é a Tetê Espíndola. Conhecê-la me fez querer escrever letra de música. Até então eu tinha uma grande paixão pela canção, que advinha dos cinco anos de idade, mas não havia a decisão deliberada de compô-las. Eu tinha, na verdade, a ambição de ser poeta de livros, já vinha escrevendo alguns versos e tal. Ainda na adolescência, com uns 18 anos, eu vim a conhecer a Tetê. Eu já morava em Campo Grande, no Mato Grosso, com minha família e ao vê-la fazer vocalizes eu imediatamente decidi ser letrista, conjugar a ambição de fazer poesia com a minha paixão pela canção. Nunca sofri do problema de escolher uma profissão. Eu precisei conhecer outros artistas para decidir me tornar um. Sozinho, talvez eu chegasse neste caminho por exclusão, pois não haveria como fazer outra coisa. Mas foi preciso um grupo de artistas, no caso a família Espíndola, para que eu me decidisse reagir de forma positiva àquela sugestão que o acaso da vida me fez.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Tentando resumir a minha trajetória em poucas palavras, eu comecei a compor com a Tetê e o grupo da família Espíndola, Tetê e o Lírio Selvagem, e em seguida aumentei as colaborações em canções com o Arrigo Barnabé. Isto se deu dentro de um grupo de artistas que se movimentavam aqui por São Paulo, cujos trabalhos receberam o nome de Vanguarda Paulistana. Passados alguns anos eu fui ampliando o leque de parcerias e comecei a me dedicar ao trabalho de versões, ao trabalho de recriar canções escritas originalmente em outras línguas, principalmente em inglês, de músicas que viraram standards da própria canção mundial. Um trabalho que ganhou vida própria, se encorpou, resultando em livro e em discos com a participação de um grande elenco da música brasileira. Também desenvolvi e solidifiquei algumas novas parcerias de quinze anos para cá, principalmente com o Lenine, que é a mais regular delas, mas também surgiram outros parceiros como o Chico César, o Pedro Luís, e mais recentemente o Paulinho Moska. Há também artistas mais novos. Esses dias compus com o Kiko Dinucci, outras duas com o Leo Cavalcanti... Normalmente eu parto da música que o compositor me manda com a melodia, ou eu faço a letra e mando para o parceiro. Nunca compomos junto. Eu só escrevo sozinho e nunca é rápido. Eu trabalho e elaboro muito sobre a obra em criação.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Primeiramente, a Tetê e a família Espíndola na decisão por ser letrista. Teve outro artista fundamental para que eu decidisse continuar, o Caetano Veloso, que provou para mim que era possível fazer poesia na arte da canção popular. Ser poeta de poesia cantada seria maravilhoso, mas era preciso alguém que me atestasse esta possibilidade. Portanto, foi o trabalho do Caetano que me convenceu a seguir a carreira de letrista. Se não fosse ele eu não teria feito isso, embora também tenha havido outros grandes compositores letristas que me inspiraram, como o Gilberto Gil, o Chico Buarque, o Bob Dylan, o John Lennon, e tempos depois o Cole Porter. Um artista que contribuiu muito para a minha mudança de atitude diante do criar foi o Arrigo Barnabé, ao qual fui apresentado pela Tetê. Conhecê-lo me fez começar a criar de forma mais autocrítica, coisa que não havia feito até então com os Espíndola, o que mudou a minha forma de trabalhar. O contato com a obra dos poetas concretistas também, como Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos. Sobretudo o último porque é um poeta de bastante interesse e proximidade com a música, inclusive a popular.

6. Quando passou a se considerar profissional?

Quando as primeiras canções foram gravadas. Ou seja, quando elas se tornaram um produto que as mostrou concretamente; quando elas geraram algum dinheiro que determinou a consciência da profissionalização. Até então eu era um criador, um artista, mas não necessariamente em caráter profissional.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Não é algo que tenha me ocorrido. Caso sim eu esqueci, portanto não deve ter sido muito marcante. Por outro lado, quando comecei a exercê-la passei a refletir e achar interessante a atividade de letrista. Comecei a curtir os letristas que havia, a existência de figuras como Torquato Neto, Capinan, Ronaldo Bastos e Fernando Brant me estimulou. Letristas que participavam de trabalhos que eu admirava, como o dos baianos tropicalistas, o do Clube da Esquina... Isso foi fundamental para mim, esta identificação com os poetas de música do começo e meados dos anos 70.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Eu amo o que eu faço. É uma das coisas que eu mais amo fazer na vida e não a imagino sem canção popular, sem fazer e vivenciar a canção. Ela é uma modalidade de poesia, arte que considero fundamental na vida, assim como a sua vivência. E esta é uma modalidade interessantíssima dela. Tem uma frase do James Joyce a respeito da espécie de vida que tem a palavra poética musicada: “Palavra cantada é palavra voando”. E eu adoro isso e continuo vendo a profissão como muito bonita.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Depende. Se eu estou fazendo uma letra, eu simplesmente fico pensando na música sobre a qual eu estou colocando as palavras. Ou o contrário, eu fico pensando na letra, no ritmo, na métrica de versos que eu vou passar para alguém musicar. Isso envolve horas, dias de trabalho, dependendo do projeto de canção, da extensão da letra. Isso pode levar muito tempo. Eu dedico parte do meu trabalho à feitura de letras longas, o que caracteriza uma parte do que eu já escrevi e escrevo. Naturalmente isso envolve mais tempo de criação. É como qualquer outro trabalho intelectual: senta-se à mesa e precisa-se escrever e fazer com que venham as ideias e as soluções. Ao mesmo tempo, ao lado desse aspecto transpirante do trabalho, existe também o da inspiração, pois sem ela não dá para fazer nada. Mas uma coisa influencia a outra, tendo tido uma ideia, uma inspiração, eu começo a trabalhar nela, buscando desenvolvê-la, realizá-la. Neste trabalho transpirador eu acabo tendo novas inspirações que levam a novas transpirações, por sua vez. Isso se eu estou compondo, caso não, tenho que fazer outras coisas relativas à profissão, como responder a um e-mail da minha editora, entrar em contato com ela, receber contratos, assiná-los e levar ao correio para enviá-los de volta, tratar de quanto cobrar pela liberação de uma música ou de outra, responder outros e-mails e mensagens... Também ministro cursos e aulas. Se eu não tivesse me tornado compositor, uma espécie de crítico, um jornalista da área, um estudioso, um professor, talvez eu ainda tivesse inventado de dar cursos e palestras sobre a arte da canção. Findou que acabei sendo instigado a me dedicar a isso em alguns momentos em razão do meu trabalho de compositor, que me deu mais autoridade para tratar do assunto. Não que alguém que exerça outro ofício não possa fazê-lo com autoridade, mas todos os cursos, palestras, oficinas e aulas que eu ministro são sempre dados da perspectiva do que eu sou, um letrista.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como?

Sim, pois permitem novas formas de divulgação do trabalho, o que é maravilhoso. Por outro lado a internet trouxe problemas, sobretudo um que eu espero que tenha alguma resolução e deverá ter, que é o dos direitos autorais. Para mim que sou só autor, decididamente não tem sido bom em termos de ganhos porque o meu trabalho em grande parte passou a ser consumido gratuitamente. A gente tem razão para até pensar que ele é consumido mais do que antes porque isso ocorre gratuitamente, mas é esquisito pensar que você tem um trabalho que é consumido sem que você seja pago por isso.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Tenho conseguido, basicamente com direitos autorais e eventualmente com os cursos e oficinas que ministro. Do que eu faço ou conheço de música popular, de canção, é que eu tenho vivido.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Não sei. Eu espero que não aconteça o que eu tenho temido com razão, que o trabalho de letrista só seja possível para quem é rico. Há formas de arte que exigem elaboração, trabalho, tempo. Um trabalho de criação de letra de música como o meu, entre outros, constitui-se num desses. Eu temo e tenho motivos para temer, que este ofício se restrinja a quem tenha dinheiro porque se por um lado a internet está democratizando o acesso à produção, por outro ela está trazendo essas conseqüências. Para uma minoria, é certo. Eu falo do ponto de vista de autor, muitos criadores do meu círculo percebem isso, mas também são cantores, músicos, portanto ganham de outras maneiras, o que os faz sentirem menos este problema ao qual me refiro.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Não há nada que eu me lembre.

Créditos das músicas cujos trechos foram utilizados no mural (em sentido horário):

-“Vivo” (Lenine/Carlos Rennó) (imagem 1) 
“Precário, provisório, perecível
Falível, transitório, transitivo
Efêmero, fugaz e passageiro:
Eis aqui um vivo
Eis aqui um vivo”
Disco: “InCité” (2004)
Intérprete: Lenine

-“Fogo e gasolina” (Pedro Luís/Carlos Rennó) (imagem 2)
“Você é o fósforo, eu sou o pavio
Você é um torpedo, eu sou o navio
Você é o trem e eu sou o trilho
Eu sou o dedo e você é o meu gatilho”
Disco: "Que belo dia estranho pra se ter alegria" (2007)
Intérprete: Roberta Sá (part. Lenine)

-“Experiência” (Chico César/Carlos Rennó) (imagem 3)
“Até que ponto resistem
A lógica e a razão,
Já que nas coisas existem
Coisas que existem e não?”
Disco: “Respeitem meus cabelos brancos” (2002)
Intérprete: Chico César (part. Nina Miranda)

-“Segunda pele” (Carlos Rennó/Gustavo Ruiz) (imagem 4)
“São Paulo tá tão frio: 3 graus a sensação,
Mas o seu arrepio não é de frio não.
Sou eu na sua pele que afago com afã
Pra que seu fogo pele a sua anfitriã.”
Disco: "Segunda pele" (2012)
Intérprete: Roberta Sá

-“Te adorar” (Lokua Kanza/Carlos Rennó) (imagem 6)
“Fico a te focar;
Mergulho fundo no teu olhar.
Mesmo quando o gozo já vem,
Eu me afundo bem ali e além...”
Disco: "Hoje" (2005)
Intérprete: Gal Costa

Para conhecer mais do trabalho de Carlos Rennó, visite sua página oficial:
http://www1.uol.com.br/cancoesversoes/


Para ficar atualizado das novidades do Cultura Artfício, curta nossa página no Facebook:

sexta-feira, 15 de março de 2013

Entrevista com Marcela Gil

Embora a sustentabilidade seja uma questão socialmente desejável, as indústrias, inclusive a cultural, ainda operam aparentemente majoritariamente sob a lógica da obsolescência. Ela pode ser técnica ou funcional, quando uma nova versão com avanços de um produto nestes quesitos é colocada no mercado. Programada ou planejada, quando um item é feito de forma a parar de funcionar depois de determinado tempo. E perceptiva ou percebida, quando são realizadas mudanças estéticas e minimamente funcionais que façam o bem anterior parecer ultrapassado. Com isso ele é substituído, portanto, (novamente) consumido. No caso da indústria do disco, foi assim com o Long Play, com a Cassette, está sendo com o Compact Disc e um dia será com o MP3 (sigla de MPEG-1/2 Audio Layer 3). No caso da indústria têxtil, com cores, cortes e estampas a cada nova estação. E assim o mercado se movimenta, para bem e para mal, de forma cíclica: hoje descartando para, muitas vezes, no futuro retomar. Foi assim com o LP, está sendo assim com a K7, será com o CD e pouco provavelmente com o MP3 por não se tratar de um bem com suporte físico – embora uma retomada do formato seja possível pela reutilização de sua plataforma de audição, o iPod (que sim, inevitavelmente entrará em desuso). Foi assim com a calça skinny, está sendo com a mini saia e um dia será de novo com a calça boca de sino. Tudo que vai pode voltar, só que para ser consumido novamente. E, como dito no início do texto, não se trata de um privilégio apenas das indústrias em exemplo. Diante desta lógica nefasta que coloca a necessidade de lucro acima do consumo consciente, alguns profissionais preferem se dedicar a projetos pessoais e fazê-los serem vistos através da internet e das redes sociais, mantendo um trabalho paralelo que lhes garanta renda sem violentar seus ideais. Trata-se do caso da designer Marcela Gil, que descobriu na fotografia a forma principal de sua expressão artística. Qual o princípio ético que mais lhe interessa? Os créditos das suas criações utilizadas no mural de imagens que são realizadas em parceria seguem após a entrevista. Seu retrato, com máscara, ao centro inferior esquerdo das imagens acima, foi feito por Bruno Rubet e pós produzido por ela mesma.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Desde criança reparava em objetos que eu chamava de "cheios de voltinhas". Gostava de tudo que tivesse muitas curvas e arabescos. Só na faculdade de Design, com 18 anos, descobri que aqueles móveis, luminárias, portões faziam parte de um mesmo conjunto, de um movimento artístico, o Art Nouveau. Nessa fase entrei em contato também com o Psicodelismo e o Dadaísmo que me influenciaram bastante.

2. Qual a sua formação?

Sou designer formada em Comunicação Visual pela PUC-Rio. 

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Não me considero artista e sim designer. Meu foco de trabalho não é a criação de objetos únicos como uma escultura ou uma pintura em tela. A reprodução em série de uma mensagem direta é uma forma mais dinâmica de comunicação. Enquanto a peça criada pelo artista plástico permanece fixa em um espaço de exibição, uma peça gráfica desenvolvida por um designer e reproduzida em série tem o poder de alcançar as pessoas onde elas estiverem. Tenho a fotografia como principal ferramenta de expressão. Para mim é uma maneira de capturar imagens selecionadas ou pré produzidas e aplicá-las em diferentes suportes através de técnicas referentes ao design. Meu trabalho tem muito mais a ver com comunicação visual do que com artes plásticas. A fronteira entre arte e design é um assunto que me interessa bastante. Meu projeto final de faculdade não foi aceito pela banca, inicialmente, pois o consideraram um projeto de artes plásticas e não de design. Eu estava lidando com assemblagens, colagens de objetos. Somente quando entrou a questão do suporte, no caso o cartaz que é uma ferramenta de comunicação em massa, meu projeto foi aceito. 

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Passei para Belas Artes e para Desenho Industrial. Escutei o tempo todo que se eu optasse pela primeira morreria de fome. Fiquei com medo e segui os conselhos da família. A princípio fiquei deslumbrada com o design, era uma variedade enorme de possibilidades, ilustração, estamparia, fotografia, audiovisual, etc. Mas com o tempo isso se tornou uma grande dúvida. Tentei perceber o que eu fazia com mais alegria, mais naturalmente. Percebi que desde os 16 anos eu já usava a fotografia como válvula de escape. A estamparia veio como uma forma perfeita de espalhar imagens por diversas superfícies. Nessa época cheguei a desenvolver roupas para uma marca própria. Em 2010 fui selecionada para a Bienal Brasileira de Design com uma peça que fazia parte do meu projeto conclusão de curso. Isso traçou todo o meu caminho profissional, conheci pessoas que foram fundamentais para o meu amadurecimento. Passei por experiências interessantes na Brainbox Design Estratégico em Curitiba, aqui em São Paulo fui assistente da ilustradora Laura Teixeira e trabalhei com o Rico Lins no +Studio. Depois dessa passagem por estúdios importantes, tive a certeza de que o meu caminho é mesmo a fotografia. Ela me dá a possibilidade de explorar os dois lados, o comercial e o criativo. Ela é uma ferramenta que me permite capturar estampas, figurinos, cenários que eu venha a desenvolver. É uma maneira de unir as minhas diferentes formas de expressão. 

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Alphonse Mucha, Farnese de Andrade, Hélio Oiticica e Rico Lins são os primeiros que me vêm à cabeça.

6. Quando passou a se considerar profissional?

Quando participei da Bienal Brasileira de Design 2010 com o cartaz da Iemanjá senti que algo tinha ficado diferente. 

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Eu acreditava que a função do design era atender às necessidades das pessoas da melhor maneira possível. Que a definição da matéria-prima, dos processos de produção, que os critérios de durabilidade, descarte, enfim, todas as etapas a que um objeto é submetido, fossem coerentes com as necessidades atuais, como a sustentabilidade. Isso também no que se refere à produção de peças gráficas e à comunicação visual no geral.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

Aprendi sobre obsolescência programada. Aprendi que o foco não são as necessidades das pessoas e do mundo que nos cerca, mas o mercado, a compra, a venda, o lucro. Muitas vezes o que seria uma ferramenta para comunicar, vira uma ferramenta para induzir as pessoas a um consumo impulsivo.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Atualmente trabalho com fotografia de produto e coordenação de vendas para a Galeria do Rock. É um projeto que está em fase inicial, portando a rotina de trabalho ainda está sendo definida. Mas estou envolvida em todas as etapas necessárias para a venda de um produto, tais como o seu recebimento, a geração de seu código no sistema, a feitura de sua foto, o controle de seu estoque etc.. Enfim, tudo.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como? 

Totalmente. Esses meios possibilitam que o trabalho de artistas plásticos, designers, músicos, e outros, sejam divulgados de forma independente. Você não precisa atender à demanda de mercado para ter seu trabalho circulando, é possível realizar projetos pessoais e fazê-los serem vistos.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

Não. Meu trabalho "artístico" faço em paralelo, para dar vazão a questões pessoais. Para pagar as contas tenho um trabalho fixo que me garante um valor X no final do mês.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Creio que cada vez mais as pessoas entenderão a necessidade e cobrarão um design de qualidade, com foco na sustentabilidade.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Não costumo responder muitas perguntas sobre o meu trabalho, prefiro que as pessoas apenas o sintam. Como pra mim funciona como uma válvula de escape gostaria que para os outros funcionasse da mesma forma. Algo para sentir e não para racionalizar.

Créditos das imagens utilizadas no mural que foram feitas em parceria (em sentido horário):
-Fotografia Espelhos (imagem 4) 
Fotografia: Bruno Rubet
Direção de arte: Marcela Gil
-Fotografia materiais (imagem 8)
Fotografia e pesquisa de materiais: Marcela Gil
Oficina "Fios no Espaço" da Laura Teixeira
-Cartaz Oil (imagem 9)
É parte do projeto conclusão da PUC-Rio sob orientação de Julieta Sobral
Cartaz: Marcela Gil e Bruno Rubet
Fotografia: Bruno Rubet
-Máscara (imagem 10)
Fotografia: Bruno Rubet
Pós produção: Marcela Gil
-Iemanjá (imagem 12)
Cartaz realizado por Marcela Gil em workshop para a Bienal Brasileira de Design 2010 sob orientação de Marcos Minini, Daniel Trench e Rico Lins
Fotografia: Maico Amorim
Direção de Fotografia: Marcela Gil
-Fotografia Jonnata Doll (imagem 13)
Fotografia: Marcela Gil
Figurino e maquiagem Jonnata Doll: Marcela Gil e Carla Otaviano
Banda Jonnata Doll e Os Garotos Solventes
-Fotografia da banda Jonnata Doll e os Garotos Solventes (imagem 15)
Fotografia: Marcela Gil
Figurino e maquiagem Jonnata Doll: Marcela Gil e Carla Otaviano

Para conhecer mais do trabalho de Marcela Gil, visite sua página oficial:
http://marcelagildesign.com/


Para ficar atualizado das novidades do Cultura Artfício, curta nossa página no Facebook:

quinta-feira, 7 de março de 2013

Entrevista com Ná Ozzetti / Interview with Ná Ozzetti


Ná Ozzetti é uma cantora e compositora com mais de trinta anos de carreira. Seu início profissional se deu com o grupo Rumo, integrante da chamada “Vanguarda Paulista”, um não-movimento consistido em um grupo de artistas de uma mesma geração que se propôs a renovar a linguagem da canção popular, tendo como palco o emblemático Teatro Lira Paulistana. Ná gravou seis discos com o grupo, entre 1981 e 1991 – que em 2013 teve sua obra completa comercializada em uma caixa de CDs, além do lançamento do DVD “Rumo”, com show realizado em 2004. Sua obra é cultivada com calma e critério junto a parceiros de longa data recorrentes em seus trabalhos solo, como Luiz Tatit (também integrante do Rumo), Itamar Assumpção (falecido em 2003), e José Miguel Wisnik. Entre outros, nomes como Suzana Salles, Alice Ruiz, Arthur Nestrovisk e Zélia Duncan passaram a fazer parte de sua semeadura ao longo dos anos. Junto deles, o compositor, arranjador e violinista Dante Ozzetti, seu irmão, é onipresente nos arranjos da maior parte de seus discos. São oito até então, “Ná Ozzetti” (1988, prêmio Sharp de “Revelação Feminina” na categoria MPB); “Ná” [1994, prêmio Sharp nas categorias de “Melhor Disco” e “Melhor Arranjo” (Dante Ozzetti) no segmento pop-rock]; “Love Lee Rita” (1996, que concorreu ao prêmio Sharp de “Melhor Arranjo” pelo trabalho de Dante Ozzetti); “Estopim” (1999); “Show” (2001, que sucedeu o prêmio de “Melhor Intérprete” no Festival da Música Brasileira, promovido pela Rede Globo no ano 2000, pela interpretação da canção homônima, composta por Luiz Tatit e Fábio Tagliaferri); “Piano e Voz” (2005, em parceria com André Mehmari); “Balangandãs” (2008, “Melhor CD Popular” no 5º Prêmio Bravo! Prime de Cultura); e “Meu Quintal” (2011, cuja canção “Equilíbrio”, parceria de Ná Ozzetti com Luiz Tatit, foi indicada na categoria “Melhor Canção Brasileira” do Latin Grammy Awards). Um disco novo, ainda sem título, está a caminho. Como será visto na entrevista que segue, a carreira vitoriosa é fruto de um trabalho árduo numa profissão imprevisível. Um eterno e necessário renascer da vida na arte. As belas fotos de Ná ao longo de sua carreira foram feitas por outro parceiro de longa data, o baterista do grupo Rumo e fotógrafo Gal Oppido.

1. Quais os primeiros contatos que você se lembra de ter tido com a arte como espectador(a)?

Em casa, desde sempre. Meus pais gostavam de música, meu avô pintava, criava peças em madeira, meu tio tocava acordeom nos almoços em família, minha tia também pintava, e toda família sempre ouvia música clássica e popular. Então esses foram meus primeiros contatos. 

2. Qual a sua formação?

Comecei a estudar piano aos 7 anos. Depois parei e voltei aos 16. Depois estudei música na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e a partir dos 19 anos comecei a estudar canto lírico. Mais tarde voltei aos estudos de piano com Felix Wagner, depois com Ricardo Breim e Ana Fridmann. Integrar o grupo Rumo foi uma grande escola pra mim, assim como o contato com todos os músicos com os quais trabalhei depois na carreira solo.

3. Quando e como lhe ocorreu ser artista? Houve um momento no qual esta foi uma intenção clara ou foi algo que aconteceu?

Desde criança tive esse encanto pelas artes, principalmente pela música e pelo canto. Sempre tive o sonho de ser cantora, era muito claro pra mim e batalhei por isso. Mas tive uma experiência que foi decisiva, aos 15 anos quando cantei pela primeira vez num palco, fazendo backing na banda do meu irmão Dante (Ozzetti). Foi mágico.

4. Você pode nos contar um pouco da sua carreira?

Antes de entrar no Rumo, cantava em grupos, com amigos, em apresentações amadoras. Meu primeiro trabalho foi cantando em uma gafieira. A partir do Rumo, em 1979, me profissionalizei e me dediquei exclusivamente às atividades do grupo. Lançamos cinco discos e fizemos muitos shows. Em 1985 comecei a me apresentar sozinha, com formações variadas. Neste momento convidei o Dante para tocar e fazer os arranjos. Em 1988 lancei meu primeiro disco solo. Neste disco estão presentes muitos músicos que foram importantes na minha trajetória até então: integrantes do Rumo, Zé Miguel Wisnik, Itamar Assumpção e a Banda Isca, Bocato e o Dante, que produziu o disco comigo, tocou e assinou vários arranjos. Paralelamente continuei os trabalhos com o Rumo, até 1992, quando decidimos parar. Em 1994 lancei o segundo disco solo, com algumas composições minhas, entre outras. Depois vieram mais três discos solo, até 2004, quando André Mehmari e eu formamos o Duo Piano e Voz, lançamos o disco em 2005 e o DVD em 2006. Em 2008 comecei a trabalhar com o quarteto que venho trabalhando até hoje, com Mário Manga, Sérgio Reze, Zé Alexandre Carvalho e o Dante Ozzetti. Lançamos os discos “Balangandãs”, “Meu Quintal” e estamos prestes a gravar o próximo. Entre um disco e outro, faço shows e projetos paralelos com outros artistas.

5. Quais artistas lhe influenciaram?

Muitos, posso não lembrar de todos agora, mas cito alguns, em ordem cronológica (pra mim) como: Beatles, Rita Pavone, Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Mutantes, Rita Lee, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Milton Nascimento, Clube da Esquina, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Carmen Miranda, Itamar Assumpção...

6. Quando passou a se considerar profissional?

A partir do Rumo, no início de 1979.

7. Qual era a ideia que você tinha da profissão antes de exercê-la?

Não tinha muita ideia. Queria cantar, conviver com a música. Fui aprendendo a ser profissional quando já estava na estrada.

8. Qual é a ideia que você tem da profissão hoje que a exerce?

É uma profissão imprevisível. Sou profissional há mais de trinta anos e nunca sei como será o ano seguinte. Aqui no Brasil são raros os artistas que conseguem ter um planejamento a longo prazo. Além disso, há muita coisa acontecendo, há uma dinâmica que nos faz mudar de tempos em tempos. Gosto dessa dinâmica, da sensação de estar recomeçando sempre.

9. Como é o seu dia de trabalho?

Varia muito de acordo com a fase que estou passando. Agora por exemplo, estou preparando um disco novo. Neste momento há uma concentração grande de trabalho, fico totalmente envolvida com ensaios, a produção do disco, aspectos técnicos, arranjos (que costumo acompanhar), cuidados com a voz, além de começar a planejar todos os detalhes do lançamento, que precisam ser planejados também neste momento, não dá pra pensar em outra coisa. O mesmo para quando estou preparando a estréia de um show. No mais, são as atividades normais, shows, viagens. No dia a dia, quando está mais calmo, faço aulas de dança, atividade que adoro, entre outras coisas.

10. Seu trabalho foi beneficiado com a internet e as redes sociais? Como? 

Sem dúvida. Gosto da possibilidade de comunicação que a internet proporciona. A partir de então tive a possibilidade de contato com pessoas, músicos que nunca imaginei me aproximar. Também gosto da democratização da música pela internet.

11. É possível pagar as contas tendo a arte como ofício? Como você faz?

No início da carreira tinha uma atividade paralela, dava aulas de canto para poder me sustentar. O início é sempre difícil, como em toda profissão, exige muito foco e dedicação. Há mais de dez anos não dou aulas e consigo viver exclusivamente do meu trabalho, mas não dá pra relaxar.

12. Como você acredita que será o futuro da sua profissão?

Não sei. Acho que as apresentações em público sempre existirão. As gravações também, mas não sei o formato. A música faz parte da vida das pessoas, quanto à profissão, damos um jeito, como sempre.

13. Fale sobre o que você gostaria do seu trabalho, mas nunca lhe perguntam.

Hehe... Teria uma historinha nova para cada dia...

Para conhecer mais do trabalho de Ná Ozzetti, visite sua página oficial:
www.naozzetti.com
E curta a sua página no Facebook para saber o que ela anda fazendo:
http://www.facebook.com/pages/N%C3%A1-Ozzetti/128804407131644?fref=ts


Para ficar atualizado das novidades do Cultura Artfício, curta nossa página no Facebook:
Ou siga-nos no Twitter:

Ná Ozzetti is a singer and songwriter with over thirty years of career. The beginning of her professional path was made with the group Rumo, a member of "Vanguarda Paulista" (“Paulista Vanguard”), a non-movement consisted of a group of artists from the same generation with the purpose to renew the language of popular song, which was staged at the iconic theater Lira Paulistana. Ná recorded six albums with the group between 1981 and 1991 – which in 2013 had its complete works sold in a box of CDs, plus the DVD release of "Rumo" with a show held in 2004. Her solo work has been cultivated with calmness and discretion along recurring longtime partners, such as Luiz Tatit (also part of Rumo), Itamar Assumpção (dead in 2003), and José Miguel Wisnik. Other names like Suzana Salles, Alice Ruiz, Arthur Nestrovisk and Zélia Duncan became part of her sowing over the years. Along with them, the composer, arranger and violinist Dante Ozzetti, her brother, is omnipresent in the arrangements of most of her albums. There are eight so far, "Ná Ozzetti" (1988, Sharp "Female Breakthrough" award, category MPB – acronym for Popular Brazilian Music); "Ná" [1994, Sharp award in the categories "Best Album" and "Best Arrangement" (Dante Ozzetti), segment pop-rock]; "Love Lee Rita" (1996, which ran for the "Best Arrangement" Sharp award for Dante Ozzetti); "Estopim" (1999); "Show" [2001, which is a succession from the “Best interpreter” award in the Festival da Música Brasileira (Brazilian Music Festival), sponsored by Rede Globo in 2000, for the interpretation of the homonymous song, composed by Luiz Tatit and Fabio Tagliaferri]; "Piano e voz " (2005, in partnership with André Mehmari); "Balangandãs" (2008, "Best Popular CD" at the 5th Prêmio Bravo! Prime de Cultura); and "Meu quintal" (2011, “Equiilíbrio", a partnership of Ná Ozzetti with Luiz Tatit, was nominated for "Best Brazilian Song" at the Latin Grammy Awards). A still untitled new album is on the way. As will be seen in the interview that follows, a successful career which is the result of hard work in an unpredictable profession. An eternal and necessary rebirth of life in art. The beautiful photos of Ná throughout her career were made ​​by another long-time partner, the  drummer of Rumo and photographer Gal Oppido.

1.  What were the first contacts you remember having with art as a spectator?

At home, ever. My parents liked music, my grandfather was painted and created wooden pieces, my uncle played the accordion in the family lunches, my aunt also painted, and the whole family always listened to classical and popular music. So these were my first contacts.  

2.  What has formed you as an artist?

I started piano lessons at age 7. Then I stopped and went back at 16. Later I studied music at the Fundação das Artes de São Caetano do Sul (Arts Foundation of São Caetano do Sul) and from the age of 19 I began studying classical singing.Later I returned to piano studies with Felix Wagner, then with Ricardo Breim and Ana Fridmann. Integrating the group Rumo was a great school for me, as well as the contact with all the musicians I worked with later in the solo career.

3.  When and how did it occur you to be an artist? Was there a moment in which this was a clear intent or was it something that happened?

Since childhood I've had that enchantment for the arts, especially music and singing. I always had the dream of being a singer, it was very clear to me and I battled through it. But I had an experience that was decisive, at 15 when I first sang on stage, doing backing   in my brother's Dante (Ozzetti) band. It was magical.

4.  Can you tell us a little bit of your carreer?

Before entering Rumo, I sang in groups, with friends, in amateur performances. My first job was singing in a gaff. From Rumo, in 1979, I profissionalized and devoted myself exclusively to the work of the group. We released five albums and did many shows.  In 1985 I began to perform alone, with varied backgrounds. At that moment I invited Dante to play and make the arrangements. In 1988 I launched my first solo album. In this record many musicians who were important in my career so far are present: members of Rumo, Zé Miguel Wisnik, Itamar Assumpção and Banda Isca, Bocato and Dante, who produced the album with me, played and signed various arrangements.  Alongside I continued the works with Rumo, until 1992, when we decided to stop. In 1994 I launched the second solo album, with some compositions of mine, among others. Then came three more solo albums, until 2004, when André Mehmari and I formed the Duo Piano e Voz (Duo Piano and Voice), launched in 2005 on CD and in 2006 on DVD. In 2008 I started working with the quartet I've been working until today, with Mário Manga, Sérgio Reze, Zé Alexandre Carvalho and Dante Ozzetti. We released the albums "Balangandãs", "Meu quintal" and we are about to record the next.  Between a record and the other I give concerts and join parallel projects with other artists.

5.  Which artists influenced you?

Many, I can’t remember all now but quote some, in chronological order (to me), as: Beatles, Rita Pavone, Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Os Mutantes, Rita Lee, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Milton Nascimento, Clube da Esquina, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Carmen Miranda, Itamar Assumpção...

6.  When did you start considering yourself a professional?

From Rumo on, in early 1979.

7.  What was the idea you had of the profession before exercising it? 

Not much idea. I wanted to sing, live with the music. I learned to be professional when I was already on the road.
8.  What is the idea you have of the profession now that you exercise it?

It is an unpredictable profession. I've been a professional for over thirty years and never know how it will be next year. Here in Brazil the artists who can have a long-term planning are rare.  Besides, there is a lot going on, there is a dynamic that makes us change from time to time. I like this dynamic, of the feeling of always starting over.

9.  How is your workday?

It varies according to the phase I'm going through. Now for example, I am preparing a new album. Right now there is a large concentration of work, I am totally involved with rehearsing, record producing, technical aspects, arrangements (which I usually accompany), voice care, besides start planning all the details of the launch, which also need to be planned at this time, you can’t think of anything else.  It's the same when I'm preparing the premiere of a show. The rest is made of normal activities, concerts, travels. In everyday life, when it's calmer, I do dance classes, activity which I love, among other things.

10.  Has your work been benefited with the Internet and the social networks? How?

Without a doubt. I like the communication possibility that the internet provides. From then on I've been able to connect with people, musicians who I never imagined approaching. I also like the democratization of music over the Internet.

11.  Is it possible to pay the bills having art as a labor? How do you do it?

Earlier in the career I had a parallel activity, giving singing lessons to be able to support myself. The beginning is always hard, as in any profession, it requires a lot of focus and dedication.  For over ten years I haven't been giving lessons and can live solely on my work, but it's not possible to relax.

12.  How do you believe the future of your profession will be?

I don't know. I think the public performances will always exist. The recordings also, but I don't know the format. The song is part of people's lives, as the profession, we'll figure out a way, as always.

13. Talk about what you’d like of your craft but no one ever asks you. 

Hehe... Every day I'd have a new short story...

To learn more about the work of Ná Ozzetti, visit her official website:
www.naozzetti.com.br
And like her page on Facebook to know what she's been doing:
https://www.facebook.com/pages/Ná-Ozzetti/128804407131644?fref=ts

To get updated news from Cultura Artfício, like our Facebook page:
Or follow us on Twitter: